"(...) De facto, seguindo esses rastos,
depressa chegou à pequena aldeia dos lenhadores. Todas as portas se abriram, e
os homens da floresta reconheceram o Cavaleiro que rodearam com grandes saudações.
Este penetrou na cabana maior e
sentou-se ao pé do lume enquanto os moradores lhe serviram pão com mel e leite
quente.
— Já pensávamos que não
voltasses mais — disse um velho de grandes barbas —.
— Demorei mais do que queria —
respondeu o peregrino
— Mas graças a Deus cheguei a
tempo. Hoje antes da meia-noite estarei em minha casa.
— É tarde — disse o velho — o
dia já escureceu, vai nevar e de noite não poderás caminhar.
— Nasci na floresta — respondeu
o peregrino — conheço bem todos os seus atalhos. Seguindo ao longo do rio não me
posso perder.
— A floresta é grande e na
escuridão ninguém a conhece. Fica connosco e dorme esta noite na minha cabana.
Amanhã, ao romper do dia, seguirás o teu caminho.
— Não posso — tornou o Cavaleiro
—, prometi que estaria hoje em minha casa.
— A floresta está cheia de lobos
esfomeados. Que farás tu se uma matilha te assaltar?
Mas o Cavaleiro sorriu e
respondeu:
— Não sabes que na noite de
Natal as feras não atacam o homem?
E tendo dito isto levantou-se,
despediu-se dos lenhadores, montou a cavalo e seguiu o seu caminho.
Dirigiu-se para a esquerda
procurando o curso gelado do rio. Mas mal se afastou um pouco da aldeia a neve
começou a cair tão espessa e cerrada que o Cavaleiro mal via.
— Depressa — pensava ele —,
tenho de chegar depressa ao pé do rio. E puxando mais o capuz para a testa
continuou a avançar.
Mas o rio não aparecia, e a
noite começou a avançar.
O homem parou e escutou.
— Era mais prudente voltar para
trás — pensou ele —.Mas se eu não chegar hoje, a minha mulher, os meus filhos e
os meus criados pensarão que morri ou me perdi nas terras estrangeiras.
Passarão um Natal de tristeza e aflição. E preciso que eu chegue hoje.
E continuou para a frente.
Agora nenhum ramo estalava e não
se ouvia o menor rumor. Os esquilos, as raposas e os veados já estavam
recolhidos nas suas tocas. O cair da neve parecia multiplicar o silêncio.
E o rio parecia ter-se sumido.
— Talvez me tenha enganado no
caminho — pensou o Cavaleiro —, vou mudar de direcção.
E virou um pouco mais para a
esquerda. Mas continuou a escurecer, a neve continuou a cair, o silêncio
continuou a crescer e o homem e o rio não se encontravam.
E devagar anoiteceu mais.
As horas uma por uma foram
passando e longamente o Cavaleiro avançou perdido na escuridão.
Por mais que se enrolasse no seu
capote, o ar arrefecia-o até aos ossos e as suas mãos começavam a gelar. Já não
sabia há quanto tempo caminhava, e a floresta era como um labirinto sem fim
onde os caminhos andavam à roda e se cruzavam e desapareciam.
— Estou perdido — murmurou ele
baixinho —. Então a treva encheu-se de pequenos pontos brilhantes, avermelhados
e vivos.
Eram os olhos dos lobos.
O Cavaleiro ouvia-os moverem-se
em leves passos sobre a neve, sentia a sua respiração ardente e ansiosa,
adivinhava o branco cruel dos seus dentes agudos.
Em voz alta disse:
— Hoje é noite de trégua, noite
de Natal.
E ao som destas palavras os
olhos recuaram e desapareceram.
Mais adiante ouviu-se o ronco
dum urso. O Cavaleiro estacou a sua montada e a fera aproximou-se. Vinha de pé
e pousou as patas da frente no pescoço do cavalo.
O homem ouviu-o respirar, sentiu
o seu pêlo tocar-lhe a mão e viu a um palmo de si o brilho dos pequenos olhos ferozes.
E em voz alta disse:
— Hoje é noite de trégua, noite
de Natal.
Então o bicho recuou pesadamente
e grunhindo desapareceu.
E o Cavaleiro entre silêncio e
treva continuou a caminhar para a
frente.
Caminhava ao acaso, levado por
pura esperança, pois nada via e nada ouvia. As ramagens roçavam-lhe a cara e caminhava
sem norte e sem oriente. O cavalo enterrava-se na neve e avançava muito devagar.
Até que de repente parou. O homem tocou-o com as esporas mas ele continuou
imóvel e hirto.
— Vou morrer esta noite — pensou
o Cavaleiro —.Então lembrou-se da grande noite azul de Jerusalém toda bordada
de constelações. E lembrou-se de Baltasar, Gaspar e Melchior, que tinham lido
no céu o seu caminho. O céu aqui era escuro, velado, pesado de silêncio. Nele
não se ouvia nenhuma voz nem se via nenhum sinal. Mas foi em frente desse céu
fechado e mudo que o Cavaleiro rezou.
Rezou a oração dos Anjos, o
grande grito de alegria, de confiança e de aliança que numa noite antiquíssima tinha
atravessado o céu transparente da Judeia. As palavras ergueram-se uma por uma
no puro silêncio da neve:
— Glória a Deus nas alturas e
paz na terra aos homens de boa vontade.
Então na massa escura dos
arvoredos começou ao longe a crescer uma pequena claridade.
— Deus seja bendito — murmurou o
Cavaleiro —. Deve ser uma fogueira. Deve ser algum lenhador perdido como eu que
acendeu uma fogueira. A minha reza foi ouvida. Junto dum lume e ao lado de outro
homem poderei esperar pelo nascer do dia.
O cavalo relinchou. Também ele
tinha visto a luz. E reunindo as suas forças, o homem e o animal recomeçaram a
avançar.
A luz continuava a crescer e à
medida que crescia, subindo do chão para o céu, ia tomando a forma dum cone.
Era um grande triângulo radioso
cujo cimo subia mais alto do que todas as árvores.
Agora toda a floresta se iluminava. Os gelos
brilhavam, a neve mostrava a sua brancura, o ar estava cheio de reflexos multicolores,
grandes raios de luz passavam entre os troncos e as ramagens.
— Que maravilhosa fogueira —
pensou o Cavaleiro —. Nunca vi fogueira tão bela.
Mas quando chegou em frente da
claridade viu que não era uma fogueira. Pois era ali a clareira de bétulas onde
ficava a sua casa. E ao lado da casa, o grande abeto escuro, a maior árvore da
floresta, estava coberta de luzes.
Porque os anjos do Natal a
tinham enfeitado com dezenas de pequeninas estrelas para guiar o Cavaleiro.
Esta história, levada
de boca em boca, correu os países do Norte. E é por isso que na noite de Natal
se iluminam os pinheiros. (...)"